terça-feira, 6 de setembro de 2011

Virus

Com o aumento vertiginoso dos índices de crescimento demográfico em meados do século XX, as populações humanas foram sendo empurradas para o interior de áreas até então ocupadas por florestas tropicais densas, habitat de incontáveis formas de vida. Esse avanço desenfreado, responsável pela expansão das fronteiras agrícolas e pela abertura de novas estradas e rotas comerciais, parece ter encontrado resistência apenas de alguns organismos invisíveis e extremamente agressivos: os vírus.
Vírus são agentes infecciosos de tamanho ultramicroscópico (com diâmetro entre 20 e 250 nanômetros), muito menores que as menores bactérias. Desprovidos de estrutura celular e dependentes de outras células vivas para se multiplicarem e propagarem, situam-se no limite que separa a matéria viva da inerte. Consistem de um núcleo de ácido nucléico (ADN, ácido desoxirribonucléico, ou ARN, ácido ribonucléico), envolto por uma cápsula externa protéica (capsídeo). Alguns apresentam ainda um envelope externo composto de lipídios e proteínas. O ácido nucléico contém o genoma do vírus -- sua coleção de genes --, enquanto o capsídeo o protege e pode apresentar moléculas que facilitam a invasão da célula hospedeira. Podem ser esféricos, em formato de bastão ou ter formas muito complexas, como "cabeças" poliédricas e "caudas" cilíndricas.
Em virtude de sua simplicidade, os vírus foram inicialmente considerados formas de vida primitivas. Esse conceito é tido como incorreto porque os vírus, destituídos das estruturas responsáveis pelo exercício das funções vitais, não sobreviveriam à ausência de células hospedeiras. É então mais provável que os vírus tenham evoluído a partir das células e não o contrário.
Ciclo de infecção. A injeção do ácido nucléico viral no interior de uma célula hospedeira é o início do ciclo de desenvolvimento do vírus. Vírus bacteriófagos (que invadem as células bacterianas) acoplam-se à superfície do microrganismo e perfuram sua rígida membrana celular, transmitindo assim o ácido nucléico viral para o hospedeiro. Os vírus de animais entram nas células hospedeiras mediante um processo chamado endocitose (invaginação da membrana da célula), enquanto os vírus de vegetais penetram em corrosões nas folhas das plantas. Uma vez no interior do hospedeiro, o genoma viral comanda a síntese de novos componentes virais -- ácidos nucléicos e proteínas. Esses componentes são então montados para formar novos vírus, que, ao romperem a membrana da célula, estão prontos para infectar novas células.
Há outro tipo de infecção viral, na qual o genoma viral forma uma associação estável com o cromossomo da célula hospedeira e junto com ele se replica, antes da divisão celular. Cada nova geração de células herda o genoma do vírus, que nesse caso não produz descendentes. Em algum momento, um fator qualquer pode induzir o genoma viral latente a comandar a replicação viral, com a subseqüente ruptura da célula hospedeira e a liberação de novos vírus.
Resposta imunológica. O animal pode responder de numerosas formas a uma infecção viral. A febre é uma resposta: muitos vírus são inativados a temperaturas ligeiramente acima da temperatura normal do hospedeiro. A secreção de interferon pelas células do animal infectado é outra resposta comum. O interferon inibe a multiplicação de vírus em células não-infectadas. Os seres humanos e outros vertebrados são capazes ainda de organizar um ataque imunológico contra vírus específicos, com anticorpos e células imunológicas especialmente produzidos para neutralizá-los.
Classificação. Os vírus classificam-se de acordo com várias características: o tipo de ácido nucléico que apresentam, seu tamanho, a forma do capsídeo ou a presença de um envelope lipoprotéico em sua estrutura. A divisão taxionômica primária se faz em duas classes: vírus ADN e vírus ARN. Os vírus ADN dividem-se em seis famílias: poxvírus (que inclui o agente causador da varíola), adenovírus, herpesvírus, iridovírus, papovavírus (entre os quais os papilomavírus, que causam as verrugas simples, genitais e carcinomas de pele, de vulva e de pênis) e parvovírus.
Já os vírus ARN classificam-se nas famílias picornavírus (resfriados, poliomielite e hepatite A), calicivírus, togavírus (rubéola), flavivírus (dengue e febre amarela), coronavírus, ortomixovírus (gripe), paramixovírus (sarampo e caxumba), rabdovírus (raiva), arenavírus (febre hemorrágica), buniavírus, retrovírus (AIDS, leucemia e câncer de pele) e reovírus. Os arbovírus não chegam a constituir uma família. Agrupam-se nessa classificação todos os vírus transmitidos por artrópodes, principalmente mosquitos. Como exemplos de arbovírus citam-se os vírus transmissores da dengue, da febre amarela e da encefalite eqüina.
Prevenção e tratamento. O tratamento de uma infecção viral se restringe normalmente ao alívio dos sintomas: por exemplo, a ingestão de líquidos controla a desidratação, a aspirina alivia dores e diminui a febre. Há poucas drogas que podem ser usadas para combater diretamente o vírus, uma vez que esses organismos empregam a energia e o equipamento bioquímico das células vivas para realizarem sua própria replicação. Portanto, os medicamentos que inibem a replicação viral também inibem as funções das células hospedeiras. Existe um reduzido número de drogas antivirais, porém, que combatem infecções específicas.
O controle epidemiológico é a medida de maior êxito contra as doenças viróticas. Programas de imunização ativa em larga escala, por exemplo, podem quebrar a cadeia de transmissão de uma doença virótica e até erradicá-la, como ocorreu com a varíola. O controle de insetos e a higiene na manipulação dos alimentos são outras medidas que podem ajudar a eliminar alguns vírus do interior de populações específicas.
História. Os primeiros indícios da natureza biológica dos vírus vieram de estudos feitos pelo russo Dmitri Ivanovski, em 1892, e pelo holandês Martinus Beijerinck, em 1898. Beijerinck supôs inicialmente que o organismo estudado, causador de uma doença das plantas chamada mosaico, era um novo agente infeccioso, que ele chamou de contagium vivum fluidum, capaz de atravessar os filtros biológicos mais finos até então conhecidos. Em estudos independentes, Frederick Twort, em 1915, e Félix d'Hérelle, em 1917, comprovaram a existência dos vírus ao descobrirem agentes infecciosos capazes de produzir lesões em culturas de bactérias, os bacteriófagos.
Na década de 1940, a invenção do microscópio eletrônico permitiu observar os vírus pela primeira vez. Um significativo avanço no estudo desses organismos se fez em 1949, com a descoberta de uma técnica de cultura de células em superfícies de vidro, que abriu caminho para o diagnóstico de doenças causadas por vírus, por intermédio da identificação de sua ação sobre as células e dos anticorpos produzidos contra eles no sangue.
A nova técnica levou ao desenvolvimento de vacinas eficientes, como as empregadas contra a poliomielite, a varíola, a raiva e a febre amarela, avanços que pareciam prever a vitória definitiva do homem sobre as doenças viróticas. No entanto, o crescimento descontrolado da população mundial e a invasão concomitante e indiscriminada de nichos ecológicos antes intocados acabaram expondo o homem, nas últimas décadas do século XX, a vírus desconhecidos, por isso chamados emergentes, e extremamente agressivos. O surgimento de novas correntes migratórias e a intensificação do turismo internacional também ajudaram a disseminar doenças viróticas antes restritas a algumas populações isoladas.
O primeiro desses novos vírus a aparecer foi o HIV, causador da AIDS e provavelmente oriundo de macacos africanos. Isolado em 1983, o HIV infectou mais de 13 milhões de pessoas em 15 anos. Um dos vírus emergentes mais letais de que se tem notícia, contudo, é o ebola, que surgiu pela primeira vez, em 1967, em Marburg, na Alemanha, onde matou sete pessoas contaminadas por macacos importados da Uganda. Novas variedades do ebola, letais em noventa por cento dos casos, apareceram no Sudão e no Zaire, em 1976, e, novamente no Zaire, em 1995, causando mortíferas epidemias de febre hemorrágica.
Os hantavírus, transmitidos por roedores, são um exemplo de vírus que circulavam numa população isolada e se disseminaram pelo planeta na segunda metade do século XX. Antes da década de 1950, o Ocidente desconhecia os hantavírus, causadores de febre hemorrágica muito comuns na China e na Coréia, que se dispersaram principalmente no organismo de ratos transportados em porões de navios. A lista dos vírus emergentes inclui ainda o rift valley, um arbovírus causador de febre na região da grande fossa africana; e os arenavírus sabiá, junin, machupo, guanarito e lassa, causadores de febre hemorrágica, respectivamente, no Brasil, na Argentina, na Bolívia, na Venezuela e na África.
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