BOTULISMO
Introdução
O Botulismo é uma toxi-infecção habitualmente adquirida por ingestão de alimentos contaminados, com exteriorização neurológicas seletiva, de ocorrência súbita em surtos imprevistos, evolução dramática e elevada letalidade. A toxina não respeita órgão algum do organismo, uma vez deflagrada sua ação é acrescida pela hipoxia progressivamente crescente das lesões cardiopulmonares.
Diversamente do que acontece na maioria das doenças infecto-contagiosas, o Botulismo não tem predileção estacional ou geográfica. Não é doença transmissível de indivíduo, direta ou indiretamente. Atualmente vem-se observando aumento alarmante de incidência de Botulismo por alimentos produzidos em indústria.
Histórico
O nome Botulismo provém do latim botulus = salsicha. Também é denominado alantíase (do grego allás = ântos = salsichão, ensacado, choriço).
Os primeiros conhecimentos sobre a doença provêm da Alemanha no século XVIII, em seguida a surtos epidêmicos relacionados com o consumo de salsichas e também com as características dos recipientes metálicos utilizados para a conservação dos alimentos. Na Bélgica, em 1896, na cidade de Ellenselles, ocorreu um surto, o primeiro a ser analisado com rigor científico. Emile Pierre Van Ermengem isolou o bacilo que denominou de bacilo botulínico pois foi encontrado no conteúdo intestinal de uma vítima e também no presunto. Dickson em 1918, isola a primeira toxina do bacilo.
Agente etiológico
Bactéria chamada de Clostridium botulinum; ordem: Eubacteriales; Família dos Bacilaceae; gênero: Clostridium; espécie: Botulinum. O Clostridium botulinum se desenvolve em meio com baixa concentração de oxigênio, está presente no solo e vegetais.
· O Clostridium forma bacilar tem suas dimensões que variam entre 3 e 8 micra; Gram-positivos; de flagelos delgados e dotados de motilidade; anaeróbios. Concentrações do meio que lhe são desfavoráveis: Cloreto de sódio 8% e açúcar 50%. Temperatura ótima: entre 20° e 25°C. É favorecido pelos meios vegetais ricos em aminoácidos e vitaminas. Elabora díastases sácaro e proteolíticas, responsáveis pelas modificações que ocorrem, às vezes, nos alimentos contaminados. Existem distintos tipos imunológicos; os tipos A e B são responsáveis pela maioria dos casos humanos.
· O Clostrídium forma espiculada, é a forma de resistência. Os esporos podem suportar ebulição durante 22 horas; os esporos tipo A, são os mais resistente.
· A presença do bacilo ou do esporo não é suficiente para produzir intoxicação botulínica.
Toxina: é uma exotoxina muito ativa, a primeira na escala hierárquica da toxicidade, é mais letal que a tetânica; possui evidente ação neurotrópica; é a única exotoxina que tem a particularidade de ser letal por ingestão, como se fora um veneno genuíno.
Período de incubação
Esse período compreende o período entre duas horas até 36 horas após a ingestão do alimento contaminado.
Transmissão
A doença pode ser contraída através de:
· Alimentos contaminados: A toxina no indivíduo penetra pela mucosa digestiva; a absorção da toxina ocorre principalmente no estômago e no intestino delgado. O suco gástrico não inativa a toxina, pelo contrário a toxina é ativada em presença de tripsina na região pilórica; da via digestiva, a toxina se transporta para a corrente circulatória; também, os esporos ingeridos germinam e se multiplicam na via digestiva, com produção de toxina in situ.
· Infecção por ferimentos: a ferida de qualquer espécie é o lugar ideal para a proliferação de organismos do tipo Clostridium.
· Infecção por via aérea: a toxina é inalada, a toxina atinge a corrente sanguínea e segue para o sistema nervoso e demais órgãos, onde vai exercer sua ação patogênica.
· Infecção por via conjuntival: por aerossol ou líquido a toxina alcança imediatamente a via sanguínea e sua ação é devastadora. Esse tipo de infecção pode ocorrer em pessoas que manipulam a toxina em laboratório e acontece o acidente.
Alimentos que são mais contaminados pelo bacilo
· Mel de origem suspeita.
· Alimentos em conserva.
· Carnes de porco e derivados.
· Carnes de animais abatidos durante o período digestivo.
· Salsichas, salsichões, lingüiças.
· Frutos do mar e pescados ingeridos crus.
· Cogumelos enlatados ou em recipientes de vidro.
· Palmitos enlatados ou em recipiente de vidro.
Contaminação do palmito: O processo de fabricação do palmito é semi-artesanal. O produto é extraído da palmeira, depois descascado, cortado e lavado. Feito isso, o palmito é colocado dentro da embalagem (lata ou vidro) com água, sal e ácido cítrico, basicamente. A embalagem contendo o produto, após passar por tratamento térmico adequado (elevação de temperatura a 100°C por 60 minutos em banho-maria) é fechada.
A adição do ácido é fundamental para evitar a multiplicação da bactéria causadora da toxina do botulismo. Caso a quantidade de ácido provoque um PH maior que 4,5, a conserva se tornará um meio propício para a contaminação do produto. Apesar de a principal forma de a principal forma de contaminação ser por conservas caseiras, a recomendação é ferver todo palmito antes de consumir por pelo menos 15 minutos, pois o calor mata a bactéria.
Deve-se observar se há registro no Ministério da Saúde e no Ibama, verificar a data de fabricação, validade, origem e apresentação, prestando atenção à aparência, cor, cheiro e sabor. Não adquirir latas enferrujadas, estufadas ou amassadas, vidros embaçados nem com lacre violado. Evitar conservas caseiras e de origem duvidosa. Em casa, é fácil ferver o palmito, mas se não houver como ter certeza da prática em restaurantes e lanchonetes, a recomendação é evitar o produto em pizzas, saladas e empadas. Ao comer na rua, os cuidados devem ser redobrados, já que a Clostridium botulinum contamina qualquer alimentos, como carnes, pescados e hortaliças. Todo o palmito em conserva, produzido no País ou importado, colocado à disposição do consumidor, deverá ser etiquetado com a seguinte advertência:
"Para sua segurança, este produto só deverá ser consumido após fervido no líquido de conserva ou em água, durante 15 minutos".
Sinais e sintomas
O quadro clínico do Botulismo compreende geralmente 4 fases:
1ª fase: período de incubação ou latência: Esse período compreende desde o momento da ingestão do alimento vetor da toxina até o aparecimento dos primeiros sintomas da doença. Se neste período for diagnosticada a doença as possibilidades de tratamento e cura são mais eficazes. A duração desse período depende da quantidade de toxina no organismo, a média fica em torno de 12 horas a três dias.
2ª fase: período de invasão: As manifestações clínicas ficam evidentes e tem uma duração entre cinco e 24 horas, após o inicio dos sintomas.
· manifestações digestivas: náuseas; vômitos; dores abdominais; anorexia; boca seca; cólicas e diarréias.
· manifestações neurológicas: cefaléia; vertigem; sonolência; astenia; desfalecimento; pálpebras pesadas; diplopia; visão obscurecida e adinamia.
3ª fase: período de estado: As manifestações desse período são graves e geralmente o óbito ocorre durante este período. A duração oscilar entre sete a quinze dias. Não existe uma seqüência característica de sintomas, mas em geral, os distúrbio oculares ocorrem precocemente, logo seguidos por sinais de debilidade muscular, distúrbios respiratórios, da deglutição e da fonação. Em outros casos pode se iniciar diretamente pelos distúrbios respiratórios que são bastantes graves.
· Distúrbios oculares: diplopia; fototopia; visão obscurecida; ptose palpebral; estrabismo (em geral divergente); midríase; discoria; diminuição ou ausência de secreção lacrimal; diminuição ou abolição dos reflexos fotomotor e à acomodação; visão diminuída; redução parcial do campo visual; discromatopsia e em casos graves cegueira total.
· Distúrbios respiratórios: instalam-se progressivamente a taquipnéia; dispnéia; prova enumerativa alterada; respiração superficial; tremor das asas do nariz; tiragem, subcianose e cianose; diminuição ou abolição do reflexo tussígeno. Toda essa sintomatologia é devida à paralisia ou paresia dos músculos intercostais, brônquicos e diafragma. Pode haver comprometimento também dos centros cardiorespiratórios bulhares.
· Distúrbio da fonação: disartria; afonia; voz cochichada; fonação lenta; palavras arrastadas e dificuldade de movimento da língua.
· Distúrbios digestivos e da deglutição: dificuldade em abrir a boca por paralisia dos masseteres; secura da boca; alterações cinéticas e da sensibilidade da glote; paralisia do véu palatino; hipossensibilidade ou anestesia da faríngea; disfagia; dificuldade em realizar a fase faríngea da deglutição; paresia gastrintestinal com constipação e diminuição das secreções digestivas.
· Alterações musculares: sensação generalizada de debilidade muscular acentuando-se na face, pescoço e membros com predominância proximal; paresia dos músculos da nuca (cabeça pendendo para a frente); sinal da câmara lenta.
· Distúrbios cardiovasculares: taquicardia (estes pacientes podem morrer bruscamente por parada cardíaca); lesão secundária à hipoxia miocárdica.
· Distúrbios psíquicos: podem ser acontecer devido a hipoxia cerebral, desequilíbrio hidrossalino e permanência prolongada em respiradores fechados (tipo pulmonares).
· Distúrbios diversos: paresia vesical; tonteiras; vertigens; marchas atáxicas, febre que pode evoluir para forma clínica hiperpiréticas, difíceis de ser combatidas com medicamentos.
4ª fase: período de declínio ou convalescença: É um período longo, o tempo de duração depende da gravidade dos distúrbios e sintomas do período de estado. Os distúrbios oculares podem permanecer durante muito tempo.
Obs: Sinal da Câmara lenta: é encontrado em todos os pacientes. Em ritmo progressivo, o paciente perde as forças, esvai-se lentamente, tem dificuldade em levantar os braços e as pernas ou fazer movimento com as mãos. Quando lhe dirigem a palavra, volta-se pausadamente para o interlocutor e responde com voz lenta e afônica. A impressão é que o paciente está fazendo todos os movimentos como se estivesse sendo filmado em câmara lenta. Esse é um sinal característico e precoce do botulismo.
Diagnóstico
O diagnóstico tem que ser feito rapidamente pois o tempo é vital para o paciente.
· Anamnese dirigida: ocorrência em uma comunidade, de casos simultânea de intoxicação tipo alimentar, ocasionadas principalmente pelo consumo de alimentos em conserva. Casos esporádicos deve-se investigar o Botulismo por solução de continuidade da pele. · Quadro clínico característico.
· Exames laboratoriais.
· Sinal da Câmara lenta presente.
· Análise do liquor.
· Investigação da toxina.
· Teste do N.B.T.
· Teste imunoenzimático (ELISA): teste para detectar presença da toxina em soro e no LCR; teste rápido, de alta sensibilidade e especificidade.
· Exames laboratoriais no alimento suspeito para identificar a toxina e a presença do C. botulinum.
Obs: Os resultados dos exames devem ser rápidos, pois a doença e toda a sua sintomatologia se agrava rapidamente, podendo causar risco de vida ao paciente.
Diagnóstico diferencial
O Botulismo pode ser inicialmente confundido com algumas patologias, como também pode ser confundido com sintomas de envenenamento, intoxicação e alergias que podem causar um quadro clínico semelhante ao Botulismo.
Processos que evoluem apresentando um quadro neurológico semelhante:
· Poliomielite.
· Síndrome de Guillain-Barré.
· Meningoencefalites.
· Polineurites infecciosas, tóxicas ou metabólicas.
· Acidentes vasculares cerebrais.
· Miastenia gravis.
· Neurastenia.
· Araneísmo: nas formas neurotóxicas.
· Hipopotassemia.
· Intoxicação por atropina ou beladona.
· Intoxicação por álcool metílico.
· Envenenamento por curare.
De origem animal:
· Mariscos e peixes tropicais (peixe-bola tetradonte).
· "Ciguatera poisoning" (barracuda etc.).
· Triquinelose.
De origem química:
· Pesticidas clorados.
· Pesticidas organofosforados.
· Inseticidas, raticidas à base de arsênico, chumbo, zinco, mercúrio, DDT.
De origem bacteriana:
· Bacterianas: Salmonella, enterotoxina estafilocócica, enterococos fecais.
De origem vegetal:
· Micetismo nervoso (Ammanita muscacaris).
· Micetismo coleriforme (Ammamita phaloides)
· Favismo (feijões, batas verdes ou brotadas etc.).
· Síndrome de Kwok ou do "restaurante chinês" (condimento contendo glutamato monossódico e glutamato monopotássico L).
Tratamento
Objetivo do tratamento é evitar a insuficiência respiratória, eliminar a toxina e o C. botulinum do aparelho digestivo.
· Tratamento é estritamente em UTI, dividindo-se em duas fases: tratamento específico e tratamento geral.
· Soroterapia específica: faz-se com o soro antibotulínico (heterólogo); a antitoxina atua contra a toxina circulante e não contra a que já se fixou no sistema nervoso.
· Não há necessidade de isolamento, pois o Botulismo é uma intoxicação, não uma infecção.
· Assistência respiratória: oxigenoterapia, aspiração das secreções, traqueostomia e utilização de pulmotores ou respiradores.
· A base do êxito terapêutico está principalmente voltada para o diagnóstico precoce. As maiores possibilidades são registradas quando se inicia o tratamento no período de latência.
Complicações
· Insuficiência respiratória.
· Insuficiência cardíaca.
· Cegueira temporária.
· Devido a diminuição da secreção lacrimal pode ocorrer lesão da conjuntiva ou da córnea.
· Paralisia dos músculos intercostais, brônquicos.
· Paralisia do diafragma.
· Hemorragias generalizadas.
Obs: As paralisias, os distúrbios respiratórios e as hemorragias difusas generalizadas são os que mais comumente levam o paciente ao óbito. A maioria dos órgãos sofrem congestão, edema, tumefação e hemorragias difusas generalizadas.
Seqüelas
Nos casos de cura, o Botulismo geralmente não deixa seqüelas, caso ocorra, deve-se à hipoxia secundária e não à toxina.
Prevenção
medidas sanitárias:
· As indústrias que trabalham com alimento enlatados e alimentos industrializados devem ser inspecionadas periodicamente pela Vigilância Sanitária.
· Alimentos que correm o risco de serem contaminados pelo C. botulinum, devem trazer na sua etiqueta uma advertência para que o consumidor ferva durante um determinado tempo antes de consumir.
· Profissionais de laboratórios onde se trabalha com C. botulinum e suas toxinas devem ser imunizados.
medidas gerais:
· Tomar todos os cuidados necessários ao preparar conservas caseiras.
· Quando for conservar alimento em salmoura, a concentração de cloreto de sódio deve ser superior a 15%.
· Quando for conservar produtos acidificados, a concentração do ácido acético (vinagre) não deve ser inferior a 2%.
· Não comprar alimento enlatados em que as latas apresentem-se enferrujadas, nem abauladas.
· Os alimentos enlatados contaminados com o C. botulinum têm o aspecto amolecido, contêm bolhas gasosas e emanam um odor de putrefação. Mas essas alterações não são comuns em todos os casos.
· Não consumir o produto quando tiver suspeita de contaminação: lata abaulada, enferrujada, cor e odor estranho. Deve-se ir a loja e trocá-lo por outro produto, e o consumidor deve ligar para a Vigilância Sanitária para que possam investigar a loja e verificar a procedência do produto.
· Quando for consumir palmitos enlatados ou em recipiente de vidro, deve-se ferver o produto juntamente com o líquido durante alguns minutos. Jamais consumir o palmito se esse se apresentar quase mole e se desfazendo e o líquido estiver turvo.
· Nunca coma cachorro-quente de origem suspeita, preparados nas ruas em locais sem higiene, barracas ou vendidos nas praias. A salsicha é um produto que deteriora muito rápido, e sendo um produto de origem animal pode trazer muitas doenças se não for fervida durante algum tempo e preparada corretamente.
· Não compre salsichas, salsichão e lingüiças de locais sujos ou suspeitos.
Dúvidas de termos técnicos e expressões, consulte o Glossário geral.