As tentativas de realizar
procedimentos de reprodução medicamente assistida foram iniciadas no final do
século XVIII. Em 1978 estes procedimentos ganharam notoriedade com o nascimento
de Louise Brown, na Inglaterra, que foi o primeiro bebê gerado in vitro. O
Governo Inglês, em 1981, instalou o Committee of Inquiry into Human
Fertilization and Embriology, que estudou o assunto por três anos. As suas
conclusões foram publicadas, em 1984, no Warnock Report. Neste mesmo ano,
nascia na Austrália um outro bebê, denominado de Baby Zoe, que foi o primeiro
ser humano a se desenvolver a partir de um embrião criopreservado.
Em 1987 a Igreja Católica
publicou um documento - Instrução sobre o respeito à vida humana nascente e a
dignidade da procriação - estabelecendo a sua posição sobre estes assuntos.
A partir de 1990, inúmeras
sociedades médicas e países estabeleceram diretrizes éticas e legislação,
respectivamente, para as tecnologias reprodutivas. A Inglaterra, por exemplo,
estabeleceu os limites legais para a reprodução assistida em 1991, com base nas
proposições do Warnock Report.
No Brasil, Conselho
Federal de Medicina, através da Resolução CFM 1358/92, instituiu as Normas
Éticas para a Utilização das Técnicas de Reprodução Assistida, em 1992.
Os aspectos éticos mais
importantes que envolvem questões de reprodução humana são os relativos à
utilização do consentimento informado; a seleção de sexo; a doação de
espermatozóides, óvulos, pré-embriões e embriões; a seleção de embriões com
base na evidencia de doenças ou problemas associados; a maternidade
substitutiva; a redução embrionária; a clonagem; pesquisa e criopreservação
(congelamento) de embriões.
Um importante assunto, de
crescente discussão ética, moral e legal é o aborto. Independentemente da
questão legal, existe nesta situação um conflito entre a autonomia, a
beneficência, a não-maleficência e a justiça da mãe, do feto e do médico. Os
julgamentos morais sobre a justificativa do aborto dependem mais das convicções
sobre a natureza e desenvolvimento do ser humano do que das regras e
princípios.
Outra área bastante
complexa é a que envolve casais homosexuais e reprodução. Casais homosexuais
femininos podem solicitar que um serviço de reprodução assistida possibilite a
geração de uma criança, em uma das parceiras utilizando sêmen de doador. O
médico deve realizar este procedimento equiparando esta solicitação a de um
casal heterosexual ? Ou deve ser dada uma abordagem totalmente diversa ? A
própria questão de adoção de crianças por casais homosexuais tem sido admitida
em vários países. A reprodução medicamente assistida pode ser equiparada à
legalmente assistida (adoção) ?
Os avanços da tecnologia
têm propiciado o desenvolvimento de equipamentos progressivamente mais
desenvolvidos que tem trazido, na sua maioria, inequívocos benefícios para os
pacientes. Por outro lado freqüentemente o avanço tecnológico traz consigo
problemas éticos . Isto é facilmente detectado em vários campos da medicina e
cito as técnicas de fertilização in-vitro, as alternativas de manipulação
genética e os avanços na área dos transplantes como exemplos de áreas que estão
provocando grandes discussões éticas nos dias atuais. O avanço da tecnologia
não traz somente problemas éticos em nível individual. Como na maioria das
vezes estamos tratando de procedimentos complexos, é inevitável que eles se
tornem caros. Neste sentido estes avanços nos remetem para uma discussão também
relevante do ponto de vista coletivo: princípio da justiça e sua aplicação na
alocação de recursos escassos na área da saúde.
Devemos diferenciar a
prática médica da pesquisa médica. A primeira representa as intervenções
planejadas visando somente o bem estar do paciente ou cliente individual e que
apresenta uma razoável expectativa de sucesso. São estas as nossas ações do
dia-a-dia: tomamos decisões com relação à melhor estratégia de ação médica
baseadas na nossa experiência, que por sua vez está sedimentada no conhecimento
adquirido através da leitura de material científico ou do que captamos na nossa
educação continuada ao freqüentarmos congressos, seminários cursos e
conferências com especialistas de maior saber e experiência. Na maioria das
vezes utilizamos práticas médicas validadas, ou seja, práticas que são baseadas
em procedimentos empíricos prévios . Quando estes procedimentos não são
realizados, estaremos nos referindo a práticas não validadas, que deverão ser evitadas
ao máximo, se não rejeitadas ab início a não ser quando somos forçado a
improvisar uma solução inovadora para um caso incomum que na maioria das vezes
representa apenas a variação de um método já estabelecido. Por outro lado,
pesquisa médica pode ser definida como qualquer atividade planejada, visando
testar uma hipótese que permita que conclusões sejam tiradas e desta maneira
contribuir para um conhecimento mais generalizado. Para que uma pesquisa médica
seja caracterizada como tal, ela deverá seguir um determinado ritual que inclui
a preparação de um projeto de pesquisa, que deverá ser aprovado por um Comitê
de Ética em Pesquisa e deverá seguir as normas brasileiras e internacionais de
pesquisas em seres humanos. Portanto nos é vedado que empreguemos em nossos
pacientes novas tecnologias que não foram prévia e formalmente pesquisadas e
que, por conseguinte, não podem ser rotuladas de práticas médicas validadas.
Seguidamente novas
técnicas são testadas em outros centros e nos são oferecidas para serem
incorporadas na nossa atividade profissional. Neste momento deveremos
questionar se:
a) é seguro o novo procedimento?
b) ele é eficaz?
c) ele representa uma melhora real em relação ao
“tradicional”?
d) qual sua utilidade ( relação custo/benefício)?
e) qual a repercussão social do novo procedimento?
Segurança
O quesito segurança deve
ser revisado examinando-se os projetos originais de pesquisa publicados em
periódicos cientificamente sérios. Qual o número de pacientes examinados, como
foram eles selecionados, foram aqueles resultados já reproduzidos por outro
grupo de pesquisadores, por quanto tempo foram os pacientes acompanhados para
se saber dos efeitos a longo prazo da nova técnica ( se aplicável) ? São estas
algumas das perguntas que deveremos fazer antes de introduzir e aceitar um novo
procedimento como rotina.
Na situação de tomarmos a
iniciativa de testarmos um nova técnica como deveremos proceder? Em primeiro
lugar preparar um projeto de pesquisa de boa qualidade. Caso não exista
experiência prévia com o método proposto cabe primeiramente um projeto que
teste o efeito da nova intervenção em animais; somente após definidos os
padrões de segurança de utilização do novo procedimento poderá um projeto de
pesquisa que teste sua eficácia em humanos ser encaminhado para avaliação de um
comitê de ética em pesquisa.
Eficiência e melhora em
relação ao “tradicional”
A eficiência do novo
método deverá ser avaliada pelos estudos clínicos em que esta hipótese tenha
sido testada. Freqüentemente em primeiro lugar são publicados relatos de caso
que evidentemente não podem ser aceitos como evidência de que a nova técnica é
eficiente. Devemos avaliar os estudos controlados que podem ser abertos ou
fechados randomizados. Os primeiros se justificam em fases iniciais, quando
queremos avaliar segurança e já ter uma idéia da eficiência do método. Para se
saber da sua real eficiência é essencial estudos controlados bem feitos quando
a nova técnica será comparada com a já disponível. Para que um novo
procedimento seja incorporado não basta que diferenças “estatisticamente
significantes” sejam os padrões de referência para a sua incorporação na nossa
rotina médica. O seu custo direto e indireto representa um valor aceitável em
relação ao tradicional? Algumas vezes uma tecnologia de custo inicial alto
torna-se “barata”, quando analisamos os custos envolvidos com aquela doença sem
se utilizar a tecnologia inovadora. Como exemplo desta situação pode-se citar
os transplantes renal e hepático. Existem evidências em outros países que tanto
o tratamento dialítico a longo prazo como o atendimento do hepatopata grave com
múltiplas internações pelas complicações clínicas que lhe são próprias, são
mais caras para o sistema de saúde que o transplante. Estudos que avaliassem os
impactos médico e econômico de novas tecnologias deveriam ser prioritários nas
nossas pós-graduações para que tenhamos dados brasileiros consistentes com
relação às suas incorporações na nossa prática médica.
Os dias de hoje também
trazem um outro tipo de problema gerador de custos altos no exercício da
profissão: a chamada medicina defensiva por vezes está pressionando os médicos
a utilizarem procedimentos tecnologicamente complexos, que numa situação
clínica normal não seriam necessariamente empregados. Vários serviços de
emergência nos Estados Unidos foram fechados por não poderem arcar com os
custos altíssimos de uma medicina defensiva levada, talvez, ao seu exemplo mais
dramático.
Utilidade
A nossa preocupação
primeira sempre deve ser o bem do paciente. Na literatura bioética esta
preocupação está incorporada dentro do chamado princípio da beneficência. É
claro que ao buscarmos o bem algumas vezes provocamos de maneira não
intencional dano aos nossos pacientes. O termo utilidade refere-se a relação
risco ou dano/ benefício inerente ao ato médico.
Os fatores relacionados ao
numerador da relação podem ser dependentes do método ou do operador .
Experiências em animais e estudos controlados já nos darão uma idéia dos riscos
relacionados com o procedimento propriamente dito. A variável humana da relação
nos preocupa sobremaneira neste momento. Observamos que técnicas complexas
estão sendo realizadas por alguns profissionais, que não investiram o seu tempo
num treinamento formal que os habilite a utilizar a nova técnica com
competência. Por outro lado existe uma pressão muito forte por parte da
indústria de equipamentos médicos para que novos instrumentos, ainda não
suficientemente testados, sejam incorporados à rotina dos centros de
diagnóstico e tratamento. Nos preocupa igualmente neste momento o que está
ocorrendo com os métodos terapêuticos videoendoscópicos. A colecistectomia por
via videolaparoscópica por vias tortuosas, uma vez que foi incorporada à
prática médica sem maiores estudos controlados em centros científicos
universitários sérios, tornou-se o procedimento de escolha para a retirada da
vesícula biliar. Será que podemos dar o mesmo voto de confiança para as outras
técnicas vídeolaparoscópicas como para correção de hérnias ou para cirurgias
oncológicas, para citar dois exemplos. Nos Estados Unidos, estudos mostram que
o método laparoscópico para a correção de hérnias inguinais representa um
aumento de 40 a 60 % do custo em relação ao tratamento tradicional. Não se
sabe, por outro lado, se um retorno mais precoce ao trabalho tornaria
irrelevante este aumento de custos diretos e tão pouco se sabem os seus
resultados a longo prazo: como se compara a recurrência de hérnias ou a
tolerância do organismo ao corpo estranho colocado na região inguinal? De novo,
não temos informações brasileiras com relação a estas variáveis.
Repercussões sociais
Ao introduzir um novo
procedimento médico um outro tipo de consideração deve também ser feita. Quais
as repercussões sociais do novo método? Podemos examinar esta questão à luz do
princípio da justiça. Será o bem proveniente da nova técnica empregada de
maneira igualitária em toda a população ou será empregada uma estratégia de
mercado em que somente os mais abastados, que podem por ela pagar, terão acesso
ao novo bem. É a meu ver eticamente incorreto usar a população pobre para
adquirir a habilidade com uma nova técnica, distribuindo dentro deste universo
um maior valor agregado de riscos e danos dentro da curva de aprendizado de uma
nova tecnologia, para a partir do momento da competência adquirida passar a
oferecê-la somente aos que podem por ela pagar. Também devemos ter em conta que
os recursos para a gestão da saúde de qualquer nação são finitos. Isto deve
sinalizar de maneira bem clara que a prática da medicina baseada em
conhecimentos clínicos sólidos e na valorização correta dos achados de história
e exame físico são insubstituíveis para o exercício profissional realizado de
uma maneira custo-eficiente.
Acredito que a preparação
de profissionais competentes, com tempo para atender seus pacientes de maneira
adequada e remunerados de maneira mais digna representa o melhor investimento
da nação para diminuir os custos da saúde. Neste contexto uma rede de
atendimento primária eficiente, com alto grau de resolutividade, permitiria que
somente chegasse aos centros médicos mais avançados casos mais complexos em que
o uso da tecnologia médica, tanto a tradicional como a mais moderna, está
indicada para resolve-los da maneira mais eficiente possível.
O futuro também nos
reserva algumas inquietudes com relação ao impacto da informática na prática. O
uso de banco de dados e a rotina de identificar o paciente à imagens
radiológicas endoscópicas e patológicas de seus exames cria riscos potenciais
com relação a confidencialidade e a privacidade da informação médica. Devemos
nos preocupar em criar senhas que controlem o acesso a este tipo informação
privilegiada e, também, ao usarmos nosso material iconográfico, como ilustração
científica, não permitir que nossos pacientes sejam identificados.
Como conclusão é
importante enfatizar que os novos tempos que vivemos já estão exigindo que os
profissionais da área médica sejam competentes não somente nas áreas cientifica
e tecnológica. A competência ética é uma necessidade atual e provavelmente
tornar-se-á progressivamente mais necessária a medida que os novos
conhecimentos científicos e tecnológicos evoluírem. As nossas sociedades
corporativas não podem se omitir desta realidade. Elas deverão se preocupar
tanto com a qualidade dos egressos das Faculdades de Medicina, bem como da
valorização do título de especialista, mantendo um alto princípio de
qualificação profissional dos mesmos como com o oferecimento de centros de
treinamento qualificados e de educação continuada que contemple o avanço científico,
tecnológico e ético da prática médica.
A seguir são apresentados
alguns dos critérios utilizados para estabelecer o início da vida de um ser
humano.
Critério Início da Vida
Celular Fecundação
Cardíaco Início dos batimentos
cardíacos (3 a 4 semanas)
Encefálico Atividade do
tronco cerebral (8 semanas)
Neocortical Inicio da
atividade neocortical (12 semanas)
Respiratório Movimentos
respiratórios (20 semanas)
Neocortical Ritmo
sono-vigília (28 semanas)
"Moral" Comunicação
(18 a 24 meses pós-parto)
O critério baseado na
possibilidade de “comportamento moral”, é extremamente controverso, mas
defendido por alguns autores na área da Bioética.
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