Adeus água doce!
É assustador o tráfico de água doce no Brasil.
A denúncia está na revista jurídica Consulex 310, de
dezembro do ano passado, num texto sobre a Organização Mundial do Comércio
(OMC) e o mercado internacional de água.
A revista denuncia: “Navios-tanque estão retirando
sorrateiramente água do Rio Amazonas”.
Empresas internacionais até já criarem novas tecnologias
para a captação da água. Uma delas, a Nordic Water Supply Co., empresa da
Noruega, já firmou contrato de exportação de água com essa técnica para a
Grécia, Oriente Médio, Madeira e Caribe.
Conforme a revista, a captação geralmente é feito no
ponto que o rio deságua no Oceano Atlântico. Estima-se que cada embarcação seja
abastecida com 250 milhões de litros de água doce, para engarrafamento na Europa
e Oriente Médio. Diz a revista ser grande o interesse pela água farta do
Brasil, considerando que é mais barato tratar águas usurpadas (US$ 0,80 o metro
cúbico) do que realizar a dessalinização das águas oceânicas (US$ 1,50).
Há trás anos, a Agência Amazônia também denunciou a
prática nefasta. Até agora, ao que se sabe nada de concreto foi feito para
coibir o crime batizado de hidropirataria. Para a revista Consulex, “essa
prática ilegal, no então, não pode ser negligenciada pelas autoridades brasileiras,
tendo em vida que são considerados bens da União os lagos, os rios e quaisquer
correntes de água em terrenos de seus domínio (CF, art. 20, III).
Outro dispositivo, a Lei nº 9.984, de 17 de julho de
2000, atribui à Agência Nacional de Águas (ANA), entre outros órgãos federais,
a fiscalização dos recursos hídricos de domínio da União. A lei ainda prevê os
mecanismos de outorga de utilização desse direito. Assinado pela advogada Ilma
de Camargos Pereira Barcellos, o artigo ainda destaca que a água é um bem
ambiental de uso comum da humanidade. “É recurso vital. Dela depende a vida no
planeta. Por isso mesmo impõe-se salvaguardar os recursos hídricos do País de
interesses econômicos ou políticos internacionais”, defende a autora.
Segundo Ilma Barcellos, o transporte internacional de
água já é realizado através de grandes petroleiros. Eles saem de seu país de
origem carregados de petróleo e retornam com água. Por exemplo, os
navios-tanque partem do Alaska, Estados Unidos – primeira jurisdição a permitir
a exportação de água – com destino à China e ao Oriente Médio carregando
milhões de litros de água.
Nesse comércio, até uma nova tecnologia já foi
introduzida no transporte transatlântico de água: as bolsas de água. A técnica
já é utilizada no Reino Unido, Noruega ou Califórnia. O tamanho dessas bolsas
excede ao de muitos navios juntos, destaca a revista Consulex. “Sua capacidade
[a dos navios] é muito superior à dos superpetroleiros”. Ainda de acordo com a
revista, as bolsas podem ser projetadas de acordo com necessidade e a
quantidade de água e puxadas por embarcações rebocadoras convencionais.
Biopirataria e roubo de minérios
Há seis anos, o jornalista Erick Von Farfan também
denunciou o caso. Numa reportagem no site eco21 lembrava que, depois de sofrer
com a biopirataria, com o roubo de minérios e madeiras nobres, agora a Amazônia
está enfrentando o tráfico de água doce. A nova modalidade de saque aos
recursos naturais foi identificada por Farfan de hidropirataria. Segundo ele,
os cientistas e autoridades brasileiras foram informadas que navios petroleiros
estão reabastecendo seus reservatórios no Rio Amazonas antes de sair das águas
nacionais.
Farfan ouviu Ivo Brasil, Diretor de Outorga, Cobrança e
Fiscalização da Agência Nacional de Águas. O dirigente disse saber desta ação
ilegal. Contudo, ele aguarda uma denúncia oficial chegar à entidade para poder
tomar as providências necessárias. “Só assim teremos condições legais para agir
contra essa apropriação indevida”, afirmou.
O dirigente está preocupado com a situação. Precisa,
porém, dos amparos legais para mobilizar tanto a Marinha como a Polícia
Federal, que necessitam de comprovação do ato criminoso para promover uma
operação na foz dos rios de toda a região amazônica próxima ao Oceano
Atlântico. “Tenho ouvido comentários neste sentido, mas ainda nada foi
formalizado”, observa.
Águas amazônicas
Segundo Farfan, o tráfico pode ter ligações diretas com
empresas multinacionais, pesquisadores estrangeiros autônomos ou missões
religiosas internacionais. Também lembra que até agora nem mesmo com o Sistema
de Vigilância da Amazônia (Sivam) foi possível conter os contrabandos e a
interferência externa dentro da região.
A hidropirataria também é conhecida dos pesquisadores da
Petrobrás e de órgãos públicos estaduais do Amazonas. A informação deste novo
crime chegou, de maneira não oficial, ao Instituto de Proteção Ambiental do
Amazonas (IPAAM), órgão do governo local. “Uma mobilização até o local seria
extremamente dispendiosa e necessitaríamos do auxílio tanto de outros órgãos
como da comunidade para coibir essa prática”, reafirmou Ivo Brasil.
A captação é feita pelos petroleiros na foz do rio ou já
dentro do curso de água doce. Somente o local do deságüe do Amazonas no
Atlântico tem 320 km
de extensão e fica dentro do território do Amapá. Neste lugar, a profundidade
média é em torno de 50 m,
o que suportaria o trânsito de um grande navio cargueiro. O contrabando é
facilitado pela ausência de fiscalização na área.
Essa água, apesar de conter uma gama residual imensa e a
maior parte de origem mineral, pode ser facilmente tratada. Para empresas
engarrafadoras, tanto da Europa como do Oriente Médio, trabalhar com essa água
mesmo no estado bruto representaria uma grande economia. O custo por litro
tratado seria muito inferior aos processos de dessalinizar águas subterrâneas
ou oceânicas. Além de livrar-se do pagamento das altas taxas de utilização das
águas de superfície existentes, principalmente, dos rios europeus. Abaixo,
alguns trechos da reportagem de Erick Von Farfan:
Hidro ou biopirataria?
O diretor de operações da empresa Águas do Amazonas, o
engenheiro Paulo Edgard Fiamenghi, trata as águas do Rio Negro, que abastece
Manaus, por processos convencionais. E reconhece que esse procedimento seria de
baixo custo para países com grandes dificuldades em obter água potável. “Levar
água para se tratar no processo convencional é muito mais barato que o
tratamento por osmose reversa”, comenta.
O avanço sobre as reservas hídricas do maior complexo
ambiental do mundo, segundo os especialistas, pode ser o começo de um processo
desastroso para a Amazônia. E isto surge num momento crítico, cujos esforços
estão concentrados em reduzir a destruição da flora e da fauna, abrandando
também a pressão internacional pela conservação dos ecossistemas locais.
Entretanto, no meio científico ninguém poderia supor que
o manancial hídrico seria a próxima vítima da pirataria ambiental. Porém os
pesquisadores brasileiros questionam o real interesse em se levar as águas
amazônicas para outros continentes. O que suscita novamente o maior drama
amazônico, o roubo de seus organismos vivos. “Podem estar levando água, peixes
ou outras espécies e isto envolve diretamente a soberania dos países na
região”, argumentou Martini.
A mesma linha de raciocínio é utilizada pelo professor
do Departamento de Hidráulica e Saneamento da Universidade Federal do Paraná,
Ary Haro. Para ele, o simples roubo de água doce está longe de ser vantajoso no
aspecto econômico. “Como ainda é desconhecido, só podemos formular teorias e
uma delas pode estar ligada ao contrabando de peixes ou mesmo de
microorganismos”, observou.
Essa suposição também é tida como algo possível para
Fiamenghi, pois o volume levado na nova modalidade, denominada “hidropirataria”
seria relativamente pequeno. Um navio petroleiro armazenaria o equivalente a
meio dia de água utilizada pela cidade de Manaus, de 1,5 milhão de habitantes.
“Desconheço esse caso, mas podemos estar diante de outros interesses além de se
levar apenas água doce”, comentou.
Segundo o pesquisador do Inpe, a saturação dos recursos
hídricos utilizáveis vem numa progressão mundial e a Amazônia é considerada a
grande reserva do Planeta para os próximos mil anos. Pelos seus cálculos, 12%
da água doce de superfície se encontram no território amazônico. “Essa é uma estimativa
extremamente conservadora, há os que defendem 26% como o número mais preciso”,
explicou.
Em todo o Planeta, dois terços são ocupados por oceanos,
mares e rios. Porém, somente 3% desse volume são de água doce. Um índice baixo,
que se torna ainda menor se for excluído o percentual encontrado no estado
sólido, como nas geleiras polares e nos cumes das grandes cordilheiras.
Contando ainda com as águas subterrâneas. Atualmente, na superfície do Planeta,
a água em estado líquido, representa menos de 1% deste total disponível.
Água será motivo de guerra
A previsão é que num período entre 100 e 150 anos, as
guerras sejam motivadas pela detenção dos recursos hídricos utilizáveis no
consumo humano e em suas diversas atividades, com a agricultura. Muito disto se
daria pela quebra dos regimes de chuvas, causada pelo aquecimento global. Isto
alteraria profundamente o cenário hidrológico mundial, trazendo estiagem mais
longas, menores índices pluviométricos, além do degelo das reservas polares e
das neves permanentes.
Sob esse aspecto, a Amazônia se transforma num local
estratégico. Muito devido às suas características particulares, como o fato de
ser a maior bacia existente na Terra e deter a mais complexa rede hidrográfica
do planeta, com mais de mil afluentes. Diante deste quadro, a conclusão é
óbvia: a sobrevivência da biodiversidade mundial passa pela preservação desta
reserva.
Mas a importância deste reduto natural poderá ser, num
futuro próximo, sinônimo de riscos à soberania dos territórios panamazônicos. O
que significa dizer que o Brasil seria um alvo prioritário numa eventual
tentativa de se internacionalizar esses recursos, como já ocorre no caso das
patentes de produtos derivados de espécies amazônicas. Pois 63,88% das águas
que formam o rio se encontram dentro dos limites nacionais.
Esse potencial conflito é algo que projetos como o
Sistema de Vigilância da Amazônia procuram minimizar. Outro aspecto a ser
contornado é a falta de monitoramento da foz do rio. A cobertura de nuvens em toda Amazônia é
intensa e os satélites de sensoriamento remoto não conseguem obter imagens do
local. Já os satélites de captação de imagens via radar, que conseguiriam furar
o bloqueio das nuvens e detectar os navios, estão operando mais ao norte.
As águas amazônicas representam 68% de todo volume
hídrico existente no Brasil. E sua importância para o futuro da humanidade é
fundamental. Entre 1970 e 1995
a quantidade de água disponível para cada habitante do
mundo caiu 37% em todo mundo, e atualmente cerca de 1,4 bilhão de pessoas não
têm acesso a água limpa. Segundo a Water World Vision, somente o Rio Amazonas e
o Congo podem ser qualificados como limpos.
Fonte: Facebook
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