Parece uma tarefa difícil
falar sobre a origem e a evolução dos antibióticos... e realmente é. Durante
toda a evolução da humanidade temos os relatos de várias tentativas do uso de
substâncias e materiais com a intenção de secar lesões supurativas, curar
febres, melhorar as dores etc. A medicina era observacional. A clínica foi o
recurso diagnóstico mais importante que existiu e ainda existe, porém naquela
época era o único.
A definição do termo
antibiótico também tem história. O termo inicial proposto por Vuillemin em 1889
era "antibiose" e que definia o antagonismo dos seres vivos em geral.
O nome antibiótico foi primeiramente usado por Waksman em 1942, meio século
após Vuillemin, e deu uma redefinição necessária como substância produzida por
microorganismos (bactérias, fungos, actinomicetos), antagonista ao
desenvolvimento ou à vida de outros microorganismo em altas diluições no meio
bioquímico do nosso corpo (é necessário que isto seja dito para excluirmos
substâncias que quando puras tem uma potente ação antimicrobiana como certos
produtos metabólicos como os ácidos orgânicos, peróxido de hidrogênio e o
álcool). Entretanto, o uso diário do termo, incluiu os agentes antibacterianos
sintéticos, como as sulfonamidas e as quinolonas, que não são produzidos por
microorganismos. Waksman e outros microbiologistas notaram que algumas
bactérias tinham a capacidade destruir ou inibir outras estudando amostras de
fezes, cuja flora bacteriana é complexa e que depende dessa capacidade para sua
manutenção.
Alguns autores dividem toda
essa história em 3 grandes eras. A primeira, conhecida também como a era dos
alcalóides, data de 1619 de onde provém os primeiros registros do sucesso do
tratamento da malária com extrato de cinchona e do tratamento da disenteria
amebiana com raiz de ipecacuanha. Durante muito tempo esses extratos e seus
derivados (alcalóides, quinino e a emetina) formaram um grupo único de recursos
terapêuticos conhecidos.
Em meados de 1860, Joseph
Lister foi o primeiro cientista a estudar o efeito inibitório de substâncias
químicas sobre as bactérias e aplicar seus conhecimentos diretamente na
medicina. Lister usou fenol para esterilizar instrumentos cirúrgicos com
importante diminuição nas taxas de morbidade e mortalidade associadas à
cirurgia. Alguns autores dizem que esse evento marcou o surgimento da era
antimicrobiana. Estudando tais efeitos, Pasteur e Joubert foram os primeiros a
reconhecerem o potencial clínico dos produtos microbianos como agentes
terapêuticos em 1877. Eles observaram que o bacilo anthrax crescia rapidamente
quando inoculado em urina estéril mas parava de se multiplicar e morria se
qualquer simples bactéria da ar fosse inoculada junto com o bacilo ou após ele
na mesma urina.
Czech, Honl e Bukovsky em 1889
fizeram uso local de extrato de Pseudomonas aeruginosas que era um excelente
produto conhecido como "piocianase" comercializado por muitos anos.
Outros pesquisadores usaram extratos de Penicillium e Aspergillus, os quais
continham, provavelmente, pequenas quantidades de antibióticos que produziam
efeitos locais e transitórios.
A segunda era, conhecida como
a dos compostos sintéticos, foi marcada pela descoberta do salvarsan por Paul
Ehrlich (Alemanha) em 1909 para o tratamento de tripanossomas e outros protozoários.
Em 1910 Ehrlich testou o 606º composto arsênico e viu que ele era ativo contra
o treponema causador da sífilis. Esse composto foi usado como tratamento de
escolha da sífilis até 1940 quando foi substituído pela penicilina. Na época
imperava um pensamento: os protozoários eram susceptíveis às drogas e as
bactérias não. Os treponemas não eram considerados bactérias, mas uma classe a
parte. A idéia apresentada à pouco foi abandonada com a descoberta e o uso do
Prontosil. O Prontosil é uma sulfonamida que foi sintetizada por Klarer e
Meitzsch em 1932. Seus efeitos e resultados foram descritos por Gerhard
Domagk., o que lhe valeu o Prêmio Nobel de Medicina em 1938.
A penicilina já havia sido
sintetizada por Alexander Fleming em 1929, mas seu potencial não havia sido
explorado devido à sua labilidade. O livro de Hare intitulado "O
Nascimento da Penicilina" ("The Birth of Penicilin") descreve
muito bem como Fleming descobriu a penicilina em 1928.Os escritos originais de
Fleming atribuem o uso da penicilina em meios de cultura para suprimir os
crescimento da flora oral e facilitar o isolamento do Haemophilus influenzae. A
corrida para as sulfonamidas havia começado, sediada na Alemanha e anunciada em
1935.Quando o efeito curativo da sulfonamida foi demonstrado em ratos,
iniciou-se estudos em pacientes com erisipela e outras infecções.
Em 1935 Domagk publicou as
informações sobre seus estudos ao mesmo tempo em que eram publicados estudos
semelhantes por Hörlein sobre os achados feitos em Londres. Esses estudos foram
posteriormente continuados em outros países. Um dos mais notáveis estudos da
época foi o de Kolebrook e Kenny (Inglaterra) em 1936 que demonstrou a imensa
eficácia da droga na febre puerperal com quedas assustadoras no número de
mortes entre os nascidos vivos de mães com febre puerperal. A posterior
introdução da penicilina tenha sido, talvez, o maior impacto sobre a febre
puerperal. O aumento dessa incidência em meados de 1950 foi devido à
redefinição da febre puerperal como qualquer aumento de temperatura acima de
38°C, o que antes era definido quando essa temperatura era mantida por mais de
24 horas ou era recorrente.
Observou-se que o Prontosil
não tinha atividade antibacteriana in vitro e alguns trabalhos sugeriram que
sua atividade era pela liberação no corpo de p-aminobenzeno sulfonamida
(sulfonilamida). Isso foi provado por Fuller em 1937. A sulfonilamida
demonstrou ação inibitória para estreptococos in vitro. Isto foi fortemente
contestado por Domagk. A sulfonilamida tomou força e em pouco tempo era
fabricada por várias drogarias com mais de 70 nomes conhecidos. Muitos químicos
da época ficaram entretidos tentando modificar a molécula para melhorá-la. Com
isso surgiu a sulfapiridina em 1938, a primeira droga a ser efetiva no
tratamento das pneumonias pneumocócicas e com maior espectro antimicrobiano
para a época. Depois vieram a sulfatiazolina e a sulfadiazina que melhoraram a
cianose e os vômitos causados pelas sulfas mais antigas.
A terceira era, conhecida
como a era moderna dos antibióticos, foi marcada pelo controle das infecções
por estreptococos e pneumococos com o uso que já vinha sendo feito das
sulfonamidas. Alguns autores marcam a entrada dessa era com o início do uso
clínico das sulfonilamidas em 1936. No final da década de 1940 apareceram as
resistências de estreptococos hemolíticos, gonococos e pneumococos à
sulfonamida.
Após uns 20 anos, os
meningococos também tornaram-se resistentes à sulfonamida. Essa era é a que
perdura até hoje e a mais ampla e difícil de ser relatada. Com o aparecimento
da resistência bacteriana houve um empenho pela busca de novas substâncias e
assim, em 1939, René Dubos (Nova Iorque) descobriu a tirotricina (gramicidina +
tirocidina) formada pelo Bacillus brevis que embora muito tóxica para o homem,
tinha um efeito curativo sistêmico em ratos. Esse fatos foram importantes pois
influenciaram Howard Florey e seus colegas na descoberta de novas substâncias
no final da década de 1940 sendo a penicilina a próxima droga a ser estudada
por eles.
Alguns autores mencionam como
o início da terceira era sendo em 1940 com os primeiros relatos sobre as
propriedades do extrato de Penicillium notatum (hoje conhecida como penicilina)
feitos em Oxford por Chain e seus colaboradores que haviam mostrado grande
interesse pela descoberta feita por Fleming em 1929. Após sua síntese e
estudos, começou a ser produzida pela "School of Patology at Oxford",
porém quando administradas em seres humanos com infecções, era rapidamente
excretada, necessitando de novas administrações. A produção de Oxford era
insuficiente. Sendo assim, uma maneira para manter o suprimento da substância
era reaproveitá-la na urina dos pacientes, isolando-a e administrando-a
novamente a esses ou a outros doentes. Mostraram que a penicilina curava
infecções estreptocócicas e estafilocócicas em ratos e o sucesso com o uso em
humanos foi verificado rapidamente. Alguns anos mais tarde haveria a completa
purificação da penicilina.
Muitos dos estudos com a
penicilina feitos durante a Segunda Guerra Mundial perderam-se, pois circulavam
de forma secreta e obscura. Dessa forma, a penicilina descoberta em 1929 e com
seu uso clínico definido em 1940 deu origem à mais variada e mais utilizada
classe de antibióticos: os b -lactâmicos.
Na tabela abaixo há algumas
datas de descobertas dos antibióticos e as bactérias das quais foram extraídas
a substância.
Nome
|
Data da descoberta
|
Microorganismo
|
Penicilina
|
1929-40
|
Penicillium notatum
|
Tirotricina
|
1939
|
Bacillus brevis
|
Griseofulvina
|
1939
1945
|
Penicilium griseofulvum
Dierckx
Penicilliujanczewski
|
Estreptomicina
|
1944
|
Streptomyces griseus
|
Bacitracina
|
1945
|
Bacillus lincheniformis
|
Cloranfenicol
|
1947
|
Streptomyces venezuelae
|
Polimixina
|
1947
|
Bacillus polymyxa
|
Framicetina
|
1947-53
|
Streptomyces lavendulae
|
Clortetraciclina
|
1948
|
Streptomyces aureofaciens
|
Cefalosporina C, N e P
|
1948
|
Cephalosporium sp
|
Neomicina
|
1949
|
Streptomyces fradiae
|
Oxitetraciclina
|
1950
|
Streptomyces rimosus
|
Nistatina
|
1950
|
Streptomyces noursei
|
Eritromicina
|
1952
|
Streptomyces erithreus
|
Espiramicina
|
1954
|
Streptomyces ambofaciens
|
Vancomicina
|
1956
|
Streptomyces orientalis
|
Kanamicina
|
1957
|
Streptomyces kanamyceticus
|
Ácido fusídico
|
1960
|
Fusidium coccineum
|
Lincomicina
|
1962
|
Streptomyces lincolnensis
|
Gentamicina
|
1963
|
Micromonospora purpurea
|
Tobramicina
|
1968
|
Streptomyces tenebraeus
|
Em 1944, Selman Waksman a
procura de antibióticos com efeitos menos tóxicos, junto com seu aluno Albert
Schatz, isolou a estreptomicina de uma cepa de Streptomyces, a primeira droga
efetiva contra a tuberculose e por isso recebeu o Prêmio Nobel da Medicina em
1952. Waksman isolou também a neomicina em 1948, além de outros 16 antibióticos
durante sua vida (grande parte deles sem uso clínico pela alta toxicidade). O
método de procura por novos antibióticos utilizado por Waksman na descoberta da
estreptomicina dominou a indústria dos antibióticos por décadas.
Dois eventos importantes
ocorreram em meados de 1950 levando ao desenvolvimento de penicilinas
semi-sintéticas. Primeiro, foi conseguida a total síntese do ácido
6-aminopenicilânico (6APA). Segundo, Rolinson e seus colaboradores mostraram
que muitas bactérias produziam acilases capazes de quebrar 6APA da
benzilpenicilina. Em 1945 Edward Abraham e seus colegas da Universidade de
Oxford estudaram o fungo de Brotzu Cephalosporium acremonium isolando desta
cepa o terceiro antibiótico conhecido: cefalosporina C. A cefalosporina C era
estável na presença da penicilinase produzida pelos estafilococos.
Sabemos hoje que todos os
agentes terapêuticos que tiveram sucesso tinham certamente propriedades em comum.
Eles devem exercer uma atividade microbiana letal ou inibitória e em altas
diluições no complexo meio bioquímico do corpo humano. Estando em contato com
os vários tecidos do corpo, devem não influenciar a função do órgão ou tecido e
não ter efeitos danosos. Devem ter bom gosto, ser estáveis, solubilidade livre,
baixa taxa de excreção e ter ótima difusão. Isso tudo levou aos estudos sobre o
modo de ação dos antibióticos.
Woods e Fields estudaram o
modo de ação das sulfonilamidas iniciando os estudos sobre a estrutura das
bactérias e o desenvolvimento de novas substâncias de acordo com cada
microorganismo. Foram feitos avanços importante no conhecimento da anatomia,
composição química e metabolismo da bactéria. Isso ajudou a indicar qual droga
seria a mais adequada para ser usada em determinada bactéria, mas não ajudou na
descoberta de novas drogas. A resistência bacteriana era o principal problema.
Os novos antibióticos produzidos eram derivados dos que já existiam, com
propriedades semelhantes às conhecidas anteriormente. Vemos, apesar disso, que
mesmo após quase um século de estudos e controle quase que total das infecções
bacterianas, a resistência bacteriana ainda é o principal desafio.
Tivemos o desenvolvimento de
drogas antifúngicas e antivirais, melhor estudadas no final da década de 1980
até hoje, devido à S.I.D.A. e que serão melhor discutidas em capítulos a parte.
O mesmo ocorrerá com as drogas antiparasitárias e com as várias outras classes
de antibióticos que surgiram após toda a história contada onde serão
oportunamente abordadas.
Referências Bibliográficas
1 - Chambers HF, Sande MA,
Antimicrobial Agents,, Goodman & Gilman’s The Farmacological Basis of
Therapeutics, 1996, Hardman JG, Limbird LE, Molinoff PB, Ruddon RW, Gilman AG
eds, cap. 43, pg. 1029.
2 - Livermore DM, Williams JD, b -Lactams: Mode
of Action and Mechanisms of Bacterial Resistence, Antibiotics in Laboratory
Medicine, 1996, Ed. Williams & Wilkins, Lorian V ed., cap. 12, pg. 502-503.
3 - Greenwood D, Historical Introdution, Antibiotic
and Chemotherapy, 1997, Ed. Churchill Livingstone, O'Grady F, Lambert HP, Finch
RG, Greenwood D eds, cap. 1, pg. 2-9. Fonte: www.edms.kit.net
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