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A história do mel e das abelhas brasileiras não é, em quase nada,
difere dos demais produtos medicinais resultantes da flora brasileira.
O pouco valor que damos aos produtos naturais nativos é igual para
todos os seguimentos da fauna, flora ou mineral. Assim, não deve o leitor
esperar prestígio, aproveitamento, e desenvolvimento de tecnologia para o mel
ou para as colmeias nativas. A mesma substituição registrada nas essências e no
produtos usados na farmácia vale para o mel e seus derivados.
Anchieta foi o primeiro dos viajantes a falar da abundância do mel
e das espécies de abelhas existentes no Brasil, e diz: "Encontram-se quase
vinte espécies diversas de abelhas, das quais umas fabricam o mel nos troncos
das árvores, outras em cortiços construídos entre os ramos, outras debaixo da
terra, donde sucede que haja grande abundância de cera. Usamos do mel para
curar feridas, que saram facilmente pela proteção divina. A cera é usada
unicamente na fabricação de velas".
É também Anchieta o primeiro a denunciar a existência de mel
venenoso. "Há porém, como disse, muitas espécies de mel, mas as que os
índios chamam "Eiraaquãyeta", mel de muitos buracos, porque as
abelhas fazem muitas entradas na colmeia. Logo que se bebe este mel , toma
todas as juntas do corpo, contrai os nervos, produz dor e tremor, provoca
vômitos e destempera o ventre"
Outro viajante que relata os usos dos produtos das abelhas é
Saint’Hilaire no começo do século passado. "O Conde da Barca, ministro do
rei D. João VI, mandara fazer muitas experiências a fim de purificar a cera de
abelhas indígenas e nenhuma tivera êxito. Vi na cidade de Goiás um operário que
purificava muito bem, e cujo segredo consistia em fundi-la, dividi-la em
pequenos pedaços, e expô-los ao sol. Repetia essa operação até dezesseis vezes,
o que tomava dois ou três meses, e ao cabo desse tempo a cera estava quase tão
branca como a das abelhas domésticas. Usei velas feitas com essa cera e fiquei
satisfeitíssimo; achei, que sua luz era muito mais vermelha que a das
excelentes velas que se vendiam no Rio de Janeiro, que dava muito mais fumaça e
se derretia rapidamente; devo acrescentar que a cera indígena, se bem que
purificada, conservava um gosto amargo. É impossível dizer a que abelhas se
devia a cera de Goiás, mas presumo que não provinha de uma única espécie.
Quanto a que a cera que se usa em todo o Brasil, vem da África; as velas feitas
com esta cera é mal modelada e tem uma coloração amarela, mas é dura e não se
desfaz com o calor, mesmo quando se trabalha fora ou em ranchos abertos".
Segundo o Dr. Paulo Nogueira Neto, estudioso das abelhas
Meloponineos para o Museu Nacional, primeiro a ensaiar uma criação científica,
as velas, de muitos lugares da América Latina, são extraídas das abelhas. Segundo
este estudiosos "é provável que a maior parte do mel e da cera usados nos
três primeiros séculos após o descobrimento viesse da abelha Uruçu, a mais
vulgar e a mais abundante em todo o Brasil".
Saint’Hilaire como Anchieta faz relato de envenenamento por
consumo de mel e escreve: "Firmino (o tropeiro dele), segundo seus hábitos
foi procurar mel selvagem nos campos. Encontrou no chão uma colmeia de abelhas
negras e voltou para casa com um grande vaso cheio de mel de gosto acre
detestável. Parece que ele bebeu muito dele, teve vômitos, e quando chegamos ao
Rio dos Pilões, estava pálido e impossibilitado de andar. Paramos pela segunda
vez e algumas xícaras de chá, em pouco, curaram o doente". Da intoxicação
pelo mel de Goiás Auguste de Satn’Hilaire se livrou. Porém, não teve a mesma
sorte na sua viagem ao Estado do Rio Grande do Sul, onde as margens do arroio
Guarapuitá, pegou uma intoxicação forte, junto com outros quatro companheiros
de viagem, com um mel colhido numa colmeia de vespas. Foram oito horas de
martírio no meio do nada, cegueira momentânea e delírios. Após este ocorrido
Saint’ Hilaire atende de bom grado o pedido de D. Pedro I que sugere sua volta
para a França em agosto de 1822.
Entre 1850 e 1870 o brilhante farmacêutico Theodoro Peckolt ocupou-se
em classificar e estudar as Trigonildas, abelhas sociais do Brasil. As belhas
bem como as observações biológicas de Peckolt foram enviadas a Frederic Smith,
do British Musseum em remessas sucessivas. O pesquisador britânico fez uma
monografia sobre as abelhas sociais do Brasil.
Nos estudos químicos realizados por Peckolt há a constatação de
ausência de sacarose em alguns meis indígenas. Sua constatação química serviu
de desculpa para que Rodolpho Albino não incluísse a produção das abelhas
nativas na Farmacopéia Brasileira.
O pai da introdução das abelhas européias no Brasil é Frederico
Augusto Hannemann. Ele era chamado de "pai das abelhas" no Brasil.
Ensinou e propagandeou apicultura desde 1853 até 1912 na sua Fazenda Abelina. A
fazenda ficava no município de Rio Pardo no estado do Rio Grande do Sul, suas
colmeias foram estabelecidas a sombra de vastos parreirais e por vários anos a
fazenda produziu mel delicioso e vinho fino. O sucesso do trabalho de Nannemann
fez com que o estudo sobre o aproveitamento das abelhas nativas caísse em quase
total esquecimento.
O mel oficinal da nossa farmacopéia
Os farmacêutico brasileiros passaram quase toda a década de 40
deste século tentando fazer uma revisão na farmacopéia brasileira. Entre os
itens a serem reavaliados estava o mel. Neste titulo o grande argumentador foi
o farmacêutico Elsior Coutinho que publicou suas idéias na Revista Brasileira
de Farmácia em 1941. Escreve o autor:
"Quer me parecer acertado que devem ser introduzidas algumas modificações
do capítulo reservado ao Mel Oficinal, não só no que diz respeito a
investigação da fraude, fazendo-se incluir as reações das precipitinas e da
diastase a que se refere Herail no seu Tratado de Farmacografia, como também no
tocante a preferência que se deu ao mel da Apis mellifica, espécie exótica,
muito embora se encontre domesticada no Brasil, em detrimento do mel produzido
pelas abelhas americanas, selvagens e domesticadas. As nossas abelhas como a
Jatahy, Manda-saia e tantas outras produzem mel de superior qualidade, o que é
apreciado largamente, e utilizado no tratamento de várias doenças. É remédio
popular. O mel de Urussú, de Tiúba em nada fica a dever ao Mel da Abelha
européia, em sabor, consistência e constituição. Por que então excluí-los do Código
Nacional de Farmácia?
Herail, dedicando um capítulo de seu
Tratado de Matéria Médica ao estudo farmacognostico do mel de abelha,
refere-se, nos seguintes termos, aos insetos produtores dessa substância
medicamentosa e alimentícia: "As abelhas pertencem umas ao gênero Apis,
vivendo na Europa, no norte da África e Ásia ocidental; outras as do gênero
Melipona, Trigona, que vivem na América e Oceania. O mel usado em farmácia é
produzido pela abelha comum ( Apis mellifica) e por algumas espécies vizinhas introduzidas
pelos apicultores, tais como a abelha italiana ( A. linguistica), a abelha
egipciana (A fasciata), a abelha grega ( A cecropia)". A obra citada é
francesa logo é natural que o autor se refira ao mel estrangeiro. Porém, a
facilidade cientifica resultante desta obra não pode justificar a ausência de
igual estudos, farmacognosia, de mel de espécies brasileiras de abelhas na
nossa farmacopéia".
Quem contra argumenta a idéia de Elsior é
um professor de farmacognosia de Escola de Farmácia do Paraná, para este
professor a produção de mel , comparativamente, entre as espécies brasileiras e
a européia não justificaria o esforço para tal estudos. A este, fraco,
argumento o farmacêutico Elsior Coutinho responde: "Si o ilustrado mestre
fosse nortista estaria dizendo uma heresia ao formular tal pergunta. Porque em
todo o norte brasileiro é abundante o chamado mel de uruçu, Melipona
scutelaris. O mel de uruçu abastece quase todos os mercados do norte do Brasil,
pelo menos da Bahia ao Acre, e por conseguinte a sua produção jamais deixaria
de atender as necessidades terapêuticas e da farmacotécnica, asseguro que não
ficaríamos "a ver navios", si a chamada abelha italiana deixasse de
produzir mel.
Outro dia, eu viajava em companhia do Sr. Francisco Feliz de Oliveira,
comerciante e criador em Barragem do Ipiranga (ramal da estrada Bahia-Feira de
Santana) e ele lamentava o ataque das formigas aos seus cortiços, dentre os
quais havia cortiços que produzia dezoito litros de mel de 6 em 6 meses, ao
seja 36 litros por ano. E convenhamos uma raça de tal produtividade não pode
ser tida como inferior economicamente".
Fonte: Cd roon Vesbibular
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